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Escritor trabalha como coveiro no cemitério da Consolação

Para o futuro, Tico espera continuar a escrever. “O grande sonho é viver de literatura.”

Por Mariana Desidério / Foto: Rafael Stedile

 

Francisco Pinto de Campos Neto, o Tico, passa o dia abrindo e fechando túmulos no cemitério da Consolação. Porém, seu ofício mesmo, é outro. Ele é um artista: já publicou duas coletâneas de contos — “Elas etc.” e “As Núpcias do Escorpião” — e trabalha em seu terceiro livro.

As histórias narradas por Tico são intensas como a vida que tem levado em seus 54 anos. Em 1980, entrou no curso de letras da USP, mas não chegou a terminar. Além de coveiro, o escritor já ganhou a vida como assistente de caminhão, porteiro de boate e pintor de parede. Se envolveu com drogas, foi internado 20 vezes e chegou ao extremo de morar na rua.

Com conhecimento de causa, Tico é feroz ao falar das clínicas para dependentes químicos. “Eles entopem a pessoa de remédio e ela fica abobalhada, não reage”, afirma.

O conto que dá nome a “As Núpcias” fala justamente sobre a vida nessas clínicas. O livro foi vencedor do 5º Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos.

A publicação saiu através da Agência Popular Solano Trindade, que trabalha com produção artística da periferia. Foram impressos 500 exemplares, já esgotados.  Após o sucesso, o autor prepara uma nova edição. “Humilhados e ofendidos”

Para Tico, escrever é uma necessidade, que ele começou a satisfazer aos 14 anos. Após duas coletâneas de contos, o escritor trabalha em seu primeiro romance, que terá o remorso como tema. O trabalho como coveiro atrapalha um pouco a produção literária, diz. “É uma atividade que cansa física e emocionalmente.”

Tico - Rafael Stedile/BdF SP
Coveiro, Tico já publicou duas coletâneas de contos

Consolação

O que mais lhe chama a atenção no cemitério tem origem política. Ele explica: é o fato dos túmulos de Tarsila do Amaral, Oswald e Mário de Andrade, artistas que tinham um pensamento libertário, estarem no mesmo local que o túmulo de Plínio Correia de Oliveira, fundador da TFP (Tradição, Família e Propriedade), grupo católico conservador, que apoiou a Ditadura Militar.

Tico tem uma posição clara: é anarquista e se define como integrante da turma dos “humilhados e ofendidos”, título de uma das obras do russo Dostoiévski que retrata personagens pobres e excluídos da sociedade. “Eu moro num cortiço na zona sul e não quero me mudar para a Vila Madalena. É com aquelas pessoas que eu me identifico”, afirma.

Além de Dostoiévski, Tico gosta de ler os brasileiros Graciliano Ramos, Hilda Hilst, Rubem Fonseca e Ferreira Gullar.

Para o futuro, o escritor-coveiro não espera muito: quer continuar a escrever. “O grande sonho é viver de literatura.”

Para comprar os livros de Tico, escreva para poetasderua@hotmail.com.

 

*Reportagem publicada no Brasil de Fato SP - Edição 01 - 13 a 20 de setembro de 2013.